Em 1905, em Dresden, Ernst Ludwig Kirchner, Fritz Bleyl (que logo daria lugar a Otto Müller), Karl Schmidt-Rottluff e Erich Heckel, estudantes de arquitetura, uniram-se para formar o primeiro grupo de artistas plásticos do Expressionismo: "A Ponte" ("Die Brücke"). A origem do nome ainda desperta controvérsias: Heckel, apontado como responsável pela idéia, estaria meramente se referindo às inúmeras pontes da cidade, ou haveria aí uma metáfora, uma referência à proposta artística do grupo – ser uma ponte levando a arte a novos territórios?
Pintores d'A Ponte (1927), de Ernst Ludwig Kirchner |
Levado a público em setembro de 1906, o manifesto d'A Ponte foi gravado na madeira. A escolha deste material não se deu ao acaso: os próprios membros d'A Ponte seriam os responsáveis pelo resgate da arte xilográfica, considerando-se herdeiros de uma espécie de "tradição artística" então relegada ao esquecimento, filhos espirituais de Dürer.
Podemos fazer, brevemente, algumas observações acerca do texto. Em primeiro lugar, notemos que o manifesto é endereçado, de uma forma algo generalizante, a "uma nova geração de criadores e apreciadores", a "toda a juventude", maniqueisticamente colocada em oposição às "velhas forças".
A referência simultânea aos "criadores" e aos "apreciadores" não é gratuita: uma vez tendo se divorciado dos mecanismos estatais, estes novos artistas precisavam criar redes alternativas de alcançar o público; de onde a importância fundamental dos mecenas, dos colecionadores e da publicidade para a consolidação e sobrevivência do Expressionismo (lembremos, a respeito deste ponto, que, em fins da década de 1910, Herwarth Walden – galerista e editor da Sturm – utilizava o termo expressionismo como uma espécie de marca comercial, através dele designando todos os artistas que disponibilizava em sua publicação; e que os próprios artistas d'A Ponte criaram uma categoria de "membros passivos" do grupo: apreciadores que, em troca de uma taxa anual de doze marcos, recebiam uma pasta de gravuras originais e relatórios sobre as atividades do grupo).
A oposição entre a "juventude" e as "velhas forças", por sua vez, pode ser entendida de forma literal: estes artistas d'A Ponte tinham, à época, entre vinte e dois e vinte e cinco anos; e as mudanças que desejavam promover diziam respeito, simultaneamente, à vida e a arte. O que estes novos artistas desejavam era, sobretudo, criar uma arte "transbordante", produto do êxtase e do arrebatamento: no estúdio de Kirchner, Heckel tinha o hábito de subir e descer as escadas declamando versos do Zaratustra nietzschiano; trabalhando compulsivamente com modelos não-profissionais, muitas vezes suas namoradas, estes pintores desejavam criar uma arte "repleta de vida", para usar uma expressão do próprio Kirchner. Em oposição à rotina de estudos e trabalhos em escolas e estúdios, os membros d'A Ponte pintavam ao ar livre e em colônias nudistas; em oposição ao modo de vida e aos valores burgueses, desejavam viver de forma libertária, idealmente mais próxima das forças vitais da natureza. Em meio a estas, afinal, é que poderia ser encontrado o verdadeiro "impulso criador": como certa vez observou Kirchner, era preciso pintar a vida de sangue nas veias; e, para cumprir esta tarefa, era preciso, em primeiro lugar, redescobrir essa vida – o que só poderia ser feito longe dos grilhões impostos pela sociedade.